sábado, 14 de abril de 2012

Uma noite, por Samuel Beckett (tradução minha)

Ele foi encontrado caído no chão. Ninguém havia sentido sua falta. Ninguém procurava por ele. Uma mulher velha o encontrou. Pra colocar a coisa vagamente. Aconteceu tanto tempo atrás. Ela estava andando por aí procurando flores selvagens. Só as amarelas. Sem olhar mais nada a não ser para elas, ela tropeçou nele caído ali. Ele estava com a cara para baixo e com os braços abertos. Usava um sobretudo apesar da época do ano. Escondida pelo casaco, uma longa fila de botões o fechava de cima abaixo. Botões de todos os formatos e tamanhos. Usadas viradas pra cima, as beiradas do casaco varriam o chão. Isso parece verdade. Perto da cabeça, um chapéu caído no chão, de lado. Ao mesmo tempo sobre sua aba e seu topo. O homem jazia inconspícuo no casaco esverdeado. Apenas a cabeça branca atraía o olhar observando de longe. Será que ela poderia tê-lo visto antes? Andando por aí em algum lugar? Vamos com calma. Ela vestia preto. A barra da saia longa arrastava no chão. Era no fim do dia. Se ela se movesse agora em direção a leste, sua sombra iria na frente dela. Era hora de cuidar das ovelhas. Mas não havia ovelhas. Ela não via nenhuma. Se acontecesse de uma terceira pessoa passar por ali, os únicos corpos que ela veria seriam os deles. Primeiro, aquele da mulher velha em pé. Então, chegando perto, aquele caído no chão. Isso parece verdade. Os campos desertos. A mulher velha vestida de preto, petrificada, horrorizada. O corpo paralisado no chão. O amarelo na extremidade do braço negro. O cabelo branco sobre a grama. O leste naufragando na noite. Vamos com calma. O clima. O céu nublado o dia inteiro, até de noite. A nor-noroeste, perto da borda, o sol finalmente saiu. Chuva? Umas gotinhas, talvez. Umas gotinhas pela manhã, talvez. No presente, para concluir. Aconteceu há tanto tempo atrás. Fechada dentro de casa o dia inteiro, ela sai com o sol. Se apressa para chegar ao campo. Surpresa por não ter visto ninguém no caminho ela anda pra lá e pra cá febrilmente, procurando as flores selvagens. Febrilmente, vendo a noite iminente. Ela nota surpresa a ausência de carneiros, numerosos aqui nesta época do ano. Ela veste negro que passou a usar ainda jovem quando ficou viúva. É para repor a flores do túmulo que ela anda pra lá e pra cá procurando as flores que ele havia amado. Não fosse pela necessidade do amarelo na extremidade do braço negro, não haveria nenhum. Assim, há tão poucas quanto possível. Esta é para ela a terceira surpresa desde que ela saiu. Porque muitas delas crescem aqui nesta época do ano. Sua velha amiga sombra a aborrece. Tanto que ela vira a cara para o sol. Qualquer flor dos lados dela, ela pega num relance. Ela deseja que o pôr do sol termine para poder andar por aí de novo livremente no lusco-fusco. Para aumentar seu desconforto, o esfrega-esfrega familiar da sua longa saia negra na grama. Ela se move com os olhos meio fechados, como se fosse puxada para dentro do seu olhar zangado. Ela pode dizer para si mesma, é muita coisa estranha para uma única noite de março ou abril. Ninguém do lado de fora. Nem um único carneiro. Mal a mal uma flor. Sombra e esfrega-esfrega irritantes. E para o cúmulo de tudo, o choque do seu pé contra um corpo. Acaso. Ninguém havia dado por sua falta. Ninguém o procurava. Negro e verde das roupas se tocando, agora. Perto da cabeça branca, o amarelo das poucas flores colhidas. A velha cara iluminada pelo sol. Como um tableau vivant. A caminho. A partir de agora, tudo está silencioso. Por todo o tempo em que ela não pode se mover. O sol desaparece finalmente, e com ele toda sombra. Toda sombra aqui. Lusco-fusco lentamente sumindo. Noite sem lua ou estrelas. Tudo parece verdade. Mas vamos parar com isso.

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